O meu papagaio era a minha Copacabana...O início de tudo:a liberdade.Ele era meu enredo,meu medo,minhas dificuldades,minha estranha idoneidade,minha liberdade.Quando eu passeava com ele, pela Avenida Atlântica,não era ele no meu ombro,não era eu com ele no meu ombro,eram as possibilidades.Ele era possível,eu era possível.Com ele no meu ombro,tudo era possível.Ele era a cidade grande,o meio da cidade grande que,em verdade,nunca me causou medo nenhum.
O meu papagaio era meu Rio de Janeiro em uma época em que estar no calçadão da Av Atlântica, à beira do mar,fazia parte de um tempo sem medos,sem balas perdidas,sem preocupações maiores a não ser aquelas mesmas de sempre:o trânsito,o sinal fechado,e o próprio papagaio.
Quando eu chegava em casa,depois do trabalho,Eugênio (o papagaio ),sempre subia as escadas do duplex até alcançar meu quarto.Eu brincava de subir correndo e de fechar a porta,só para ter o prazer de ouvi-lo bicando na soleira,o que ele fazia, até que eu abrisse.Depois disso, ele,pela colcha,subia em minha cama e ficava sobre meu peito me olhando,vitorioso, desenhando aquele colorido nas pupilas que,só quem tem um papagaio,sabe do que estou falando.
Quando fui morar só,nos mudamos juntos para Botafogo.Logo, logo, ganhei duas gatinhas siamesas e a alegria de “achar” ( ou ser achada por ela,não sei,),uma outra,viralata, na Rua da Matriz.Todas as noites eu me sentava no carpete do escritório com os quatro bichos da casa.Era uma festa pois as bichanas,encantadas com o bicho de penas,queriam,a todo custo,prendê-lo debaixo de suas já afiadas unhas.Foi difícil mas,consegui.A harmonia aconteceu: penas e pêlos passaram a conviver na santa paz de meu santo e não solitário lar.
Eugênio,Ágata,Magali,Aparecida e eu vivemos felizes, apesar das diferenças.À época,cheguei à conclusão que, conviver com as diferenças é mais fácil entre os bichos do que entre os humanos.Hoje,tenho certeza disso, apesar de ter dois cães fox que não gostam muito de penas e outros pelos.Mas a culpa não é deles.Faltou o contato e a paciência de sentar no carpete,mais uma vez.Além de tudo, a cena não se passa mais no Rio de Janeiro (onde todos,homens e bichos), têm que tentar de tudo para uma convivência mais pacífica.A cidade é outra,os tempos são outros e os bichos são outros.Eu mesma desconfio que sou outra. Eugênio e Magali,ao contrário de mim, são os mesmos.As outras duas gatinhas foram na frente,como diz o outro.Aliás,muita gente foi na frente desde aqueles tempos em que meu papagaio era não só a minha Copacabana mas o meu Rio de Janeiro.
Eugênio apesar dos 31 anos,ainda assovia o Hino Nacional;Magali,debaixo de seus 16 anos,ainda brinca com objetos que se mexem, menos com Eugênio.Ainda faz aquele olhar blasè quando ele desce do puleiro (porque papagaio meu sempre viveu solto), e passeia pela sala da casa que,apesar de minha, foi e sempre será de meus pais.
Valença,inverno de 2007 Jô.
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